A positividade compulsória do Coldplay está de volta
Coldplay – Moon Music
44′, 10 faixas
(Parlophone)

Ai, gente, olha o Coldplay aí de novo. Outro dia mesmo eles estavam por aqui, era impossível evitar. Perigava ir na esquina e encontrar o Chris Martin umas três vezes no caminho, fazendo ótimas ações, ajudando uma senhora a atravessar a rua, palestrando sobre alimentação natural e explicando para as pessoas sobre a paz mundial, o entendimento universal e como tudo dará certo se nos respeitarmos e nos amarmos loucamente. Desse jeito parece que este que vos escreve é um partidário da violência indiscriminada e de toda sorte de desigualdade mas, verdade seja dita, o bom-mocismo do Coldplay pós-2008 é insuportável e, como previmos várias vezes nesses últimos anos, terminou por se tornar mais importante que a música produzida por Martin e seus amigos. Os shows inflaram, se tornaram híbridos de atração da Disney com filme da Marvel (no fim, a mesma coisa) e optaram por investir pesado na mensagem positiva, na interação entre o público e o artista, deixando, pelo menos na boca de quem está mais ligado na qualidade da obra, um gosto de eterna desconfiança/tédio quanto à música que eles produzem. De uns tempos para cá, a atitude extremamente positiva a todo custo de Chris Martin foi encampada até por coachs e palestrantes motivacionais, levando a banda a receber o singelo apelido de Coachplay, algo que, cá entre nós, eu aprovo e endosso. Sendo assim, neste clima, chega aos ouvidos do mundo o novo álbum do quarteto inglês: “Moon Music”. Vejamos o que ele tem para oferecer.
De cara é possível afirmar que este álbum é melhor que “Music Of The Spheres”, de 2021. A banda o encara como sendo mais que uma sequência natural, mas uma segunda parte, porém, onde o anterior continha um conceito bunda de música universal feita na galáxia, ou algo assim, este trabalho é bem mais focado e fala de situações existentes no planeta hoje. Para uma banda que se diz tão engajada em questões extra-música, fazia falta uma canção ou um disco que falassem expressamente sobre assuntos delicados, como rejeição, preconceito, discriminação e outras instâncias que impedem que a tal felicidade frenética que o grupo defende se estabeleça, de fato. “Jupiter”, por exemplo, com um arranjo de voz e violão, cumpre parte da função ao falar diretamente às pessoas que precisam de encorajamento para se assumirem como são e fazer com que sejam respeitadas e aceitas. Isso dá mais foco e traz a discussão para o plano da realidade, ainda que o arranjo simples e eficiente seja encampado no final por uma gororoba progressivoide/pomposa que parece à espreita por todo o disco.
O álbum começa com a faixa-título, que tem colaboração do músico inglês Jon Hopkins, sujeito fluente na eletrônica e com vários álbuns bacanas lançados. Ao lado de Martin e sua turma, tal identidade some e o que temos se resume a um pastiche dramático e solene, que vai percorrendo os mais de quatro minutos de duração como se estivéssemos diante de um pronunciamento de deuses ou alienígenas que irão explicar tudo e apontar o caminho. Até que o primeiro bocejo irrompe. Ainda que seja animadinho e já tenha sido assimilado pelo mundo, o single “feelslikeimfallinginlove” (escrito assim, tudo junto e com minúsculas) é, na verdade, uma canção genérica e com uma proposta de, simplesmente, deixar suas memórias para trás em favor do presente, quando o assunto é amor. O cantor, que foi casado por anos com a atriz Gwyneth Paltrow e com quem tem dois filhos, diz na letra que se sente apaixonado como se fosse a primeira vez. Martin é casado agora com a também atriz Dakota Johnson. Estranho, para dizer o mínimo. A canção, como dissemos, é qualquer nota, ate lembra uma sobra de estúdio da fase mais pop do Alan Parsons Project. Não fede, não cheira.
A partir daí, começa a trinca de boas canções de “Moon Music”. Além da já mencionada “Jupiter”, temos “Good Feelings”, com participação da cantora Ayra Starr, que confere um bom contraponto à voz de Chris Martin, em meio a um arranjo pop aerodinâmico meio inspirado na disco music. Mesmo que não consiga evitar o clima de comercial da United Colours Of Bennetton, o saldo final é satisfatório. “We Pray” também está no time das boas criações de “Moon Song”. É uma espécie de apropriação coldplayer do rap/hip hop e, mesmo com essa apresentação, é melhor do que parece. Tem potencial bombástico no refrão, boa arquitetura na produção e partipação de Burma Boy, Little Simz, Elyanna e TINI, além de exibir uma estranha semelhança em dinâmica com “Pray”, faixa que o picareta MC Hammer gravou lá em 1990. Ou será impressão minha? Enfim.
Infelizmente, o que temos a seguir oscila entre o pior que o Coldplay pós-2008 consegue fazer e híbridos progressivoides de indução ao sono. “Rainbow”, que é representada com um emoji de arco-íris (sério, pra que isso, gente?) é soporífera até a medula e nem o discurso da ativista americana dos direitos civis Maya Angelou, inserido na melodia, consegue acordar o ouvinte. A boa intenção, válida, claro, se dispersa no fraco resultado da canção. “iAAM” é típica canção de estádio do atual Coachplay e tem tudo o que o fã de pulseirinhas coloridas da banda espera – vocais crescendo, melodia dramática e arranjo que explode num refrão feito sob medida para ser cantado em estádios com naming rights cedidos megacorporações capitalistas ao redor do mundo. “Aeterna” também vai nessa onda – pop desencanado e com boas sacadas para ser cantado em estádios. As duas faixas finais de “Moon Music” são de lascar. “All My Love” parece que vai citar a melodia de “Viva La Vida”, mas logo sai pela tangente, num arranjo voz e piano, que vai crescendo em dramaticidade de proveta, com Martin falando que vai dar todo o seu amor para a pessoa amada. “One World” também vai em ritmo lento e crescente rumo ao fim do álbum, com drama e final feliz, com Martin dizendo que “no fim, é tudo amor”.
O Coachplay, opa, quer dizer, Coldplay, pelo menos oferece exatamente o que seu público espera: música genérica, esvaziada, pseudo-significante e nivelada pelo mais estéril projeto de fruição artística, investindo pesado na aura positiva da banda, gerando positivadade, resiliência e otimismo tóxicos e desinformados, numa mistura perfeita para quem detesta música ir a shows, participar, erguer pulseirinhas e tudo mais. É música para quem não liga pra música. Tem quem caia.
Ouça primeiro: “Jupiter”, “We Pray”, “Good Feelings”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.