Quarenta anos do disco insuportável do Dire Straits
Uma olhada para o cenário do rock na virada dos anos 1970/80 mostraria o viço da cena pós-punk inglesa e as cores da new wave americana. Veria David Bowie em mais uma mutação e as novíssimas bandas new romantic. Também detectaria o abraço dos dinossauros progressivos a uma sonoridade mais pop, em busca de um novo público e de juventude, bem como monitoraria os novíssimos grupos da Nova Onda do Metal Britânico, Iron Maiden à frente, conquistando corações e mentes pelo planeta. Posso ter esquecido de um ou outro tronco estético daquele período mas, se formos pensar em uma banda difícil de entender e encaixar em seu tempo, não poderemos deixar de notar o Dire Straits. Com o primeiro disco lançado em 1978, o grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Mark Knopfler cravara um inesperado sucesso mundial com a faixa “Sultans Of Swing”, diferente de tudo o que se ouvia como moderno e jovem naquele tempo. E por quê? Tratava-se de uma canção pop de guitarras (ótimas, por sinal) e uma letra surrealista sobre rock americano tradicional (aquele velho amor dos britânicos pela América mitológica) e um jeito de cantar que lembrava uma versão rejuvenescida de Bob Dylan. Ninguém diria que, seis, sete anos depois disso, o Dire Straits seria uma das bandas mais importantes da Terra. E o lançamento de seu quinto disco, “Brothers In Arms”, em 13 de maio de 1985, foi a confirmação disso.
É interessante porque este trabalho mostra uma mudança estética sutil no trabalho do Dire Straits até então. A banda de Knopfler passou da condição de one-hit wonder dando o recado em ótimos trabalhos que sucederam sua estreia. “Communiqué” (1979) e “Making Movies” (1980) foram álbuns sensacionais, que mostravam uma evolução clara na verve de Knopfler como compositor. Nativo de Glasgow, na Escócia e tendo passado a infância e adolescência em Newcastle, ele desenvolveu um estilo próprio e intransferível na guitarra e na narrativa das canções. “Romeo And Juliet” e “Tunnel Of Love”, ambas faixas de “Making Movies”, mostram um compositor virtuoso e um músico exuberante. E este álbum também mostrou uma influência interessante na obra do Dire Straits, que se fizera notar pouquíssimo até então: Bruce Springsteen e a sonoridade da sua E Street Band. Não por acaso, Roy Bittan, pianista da banda de Bruce, participa destas faixas. Nesta altura, o grupo já era famoso mundialmente não apenas por uma só canção, ainda que “Sultans Of Swing” fosse seu carro-chefe. O álbum seguinte, “Love Over Gold”, de 1983, apontava para um abraço maior a sonoridades mais esparsas e lentas, quase progressivas, a ponto de conter apenas cinco longas faixas, mas, ainda assim, manter o sucesso do grupo, com “Telegraph Road” (14min:18) e “Private Investigations” (6min:45). Foi a turnê de divulgação deste álbum que colocou o Dire Straits no primeiro time do rock mais clássico em seu tempo e que gerou um dos mais importantes discos ao vivo do estilo, “Alchemy”. Lançado em 1984, ele captura a exuberância do grupo em ação e sua capacidade de modificar os originais em personalíssimas versões alongadas e cheias de virtuosismo não-pentelho. Qual seria o próximo passo?
“Brothers In Arms”, novo disco, já era um hit por conta de seus singles. “So Far Away” veio como uma canção simples se comparada ao que o Dire Straits vinha apresentando. Uma melodia linear e meio sem graça com uma letra de amor pouco inspirada, porém capaz de emplacar ótimas posições nas paradas de sucesso. Porém, qualquer dúvida sobre a fome de bola do Dire Straits foi dissipada com o segundo single, “Money For Nothing”, possivelmente responsável por grande parte do sucesso do álbum. Surgida a partir de uma conversa de dois atendentes de uma loja de eletrônicos em Nova York, observada por Knopfler, a canção era uma crítica bem humorada à MTV e ao ganho exacerbado de importância dos aspectos visuais de um artista de música em detrimento da sonoridade de sua obra. Ou, trocando em miúdos, sobre a revolta a respeito dos rostinhos bonitinhos que apareciam na MTV, fazendo música, digamos, questionável. Knopfler contou em entrevistas que precisou anotar as falas dos empregados, que pareciam revoltados ao ver todo mundo ganhando “dinheiro à toa” na emissora de clipes enquanto eles ralavam carregando peso na loja. A inspiração foi tão forte que Knopfler lembrou das vinhetas que os artistas haviam feito para saudar a chegada da MTV em 1981, quando entrara no ar, especialmente da que o The Police fizera, adaptando o bordão “I want my MTV” à melodia de “Don’t Stand So Close To Me”, seu sucesso de 1980/81. Daí surgiu o convite a Sting, então em carreira solo, para reproduzir este bordão em meio à massa sonora que “Money For Nothing” erguia em seu arranjo, prontamente aceito pelo ex-vocalista e baixista do Police.
O clipe da canção é, até hoje, um dos mais interessantes já feitos. Os empregados da loja surgem em animação moderníssima – para a época – carregando eletrodomésticos aqui e ali, enquanto o Dire Straits aparece na TV, como se fosse a tal banda de aparências. O sucesso foi global e irreversível. “Brothers In Arms” ainda rendeu outros quatro singles: “Walk Of Life”, uma faixa impulsionada por um riff de teclado que aludia à mitologia do baseball e do rock americano de outrora; “Your Latest Trick”, uma balada moteleira com um fraseado de saxofone sexy e smooth; “Why Worry”, uma baladinha country em câmera lenta, com um arranjo de teclados bonitinho e a faixa-título, um épico lúgubre em tons sépias. Das nove faixas de “Brothers In Arms”, seis emplacaram as paradas de sucesso, o que, naquele tempo, significava veiculação massiva em todos os meios de comunicação. Rádio, TV, trilhas sonoras de novela, revistas, o Dire Straits estava em todos os cantos, ao mesmo tempo, experimentando um efeito semelhante ao que marcaria a vida de Phil Collins, outro artista que teve sua carreira sol hiperconsumida pelos meios de comunicação, com o agravante dele também ter uma trajetória como líder do Genesis, que também tinha seu imenso quinhão de visibilidade. O fato é que quase todos os singles de “Brothers In Arms” se tornaram inaudíveis ao longo do tempo. Talvez os dois menos executados deles, “Why Worry” e a faixa-título, na padeçam dessa condição. O fato é que, para quem estava vivo e ouvindo música na época, a simples menção do riff de teclados de “Walk Of Life” ou da progressão de saxofone de “Your Latest Trick” já configuram uma situação de aflição total.
Claro, esta é uma opinião pessoal. Mas também é interessante notar que, depois deste álbum, o Dire Straits lançaria um sucessor seis anos depois, o bom e subestimado “On Every Street”. Não por acaso, o escopo deste disco contrasta com a superexposição do anterior e, após a turnê para divulgá-lo, o grupo encerrou suas atividades. Alguns anos depois, Mark Knopfler iniciaria uma carreira solo que dura até hoje, em que deixou de lado o big rock em favor de uma musicalidade folk introspectiva, que minha querida editora na Rock Press, Claudia Reitberger, costumava chamar de “fluidez árida”. O fato é que “Brothers In Arms”, sob o ponto de vista comercial, é o ápice da carreira do Dire Straits. Foi o primeiro álbum a ser lançado em CD em todos os tempos. Foi um mastodonte vendedor de cópias, sendo, até hoje, um dos maiores best sellers da história. Se olharmos com a perspectiva artística, no entanto, veremos que ele foi um trabalho em que o Dire Straits abandonou uma música mais complexa e interessante em favor de algo mais palatável. Não estava errado. Os números provam. Mas a gente pode – e deve – divergir deles.
Em tempo: “Brothers In Arms” ganhou um relançamento especial pelos quarenta anos, no qual o álbum original é acompanhado por um disco-bônus com a íntegra de uma apresentação em San Antonio, nos Estados Unidos, em algum momento de 1985. As faixas ao vivo são bacanas, mas perdem em força para o registro de “Alchemy”.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.