Samuel Rosa estreia solo caminhando por terrenos conhecidos

 

 

 

Samuel Rosa – Rosa
39′, 10 faixas
(Sony)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

O Skank foi uma banda simpática na maior parte de sua trajetória. Mesmo com muitos hits cravados, bons álbuns lançados, o final de sua atividades, anunciado em 2019, não surpreendeu justo porque, em seus últimos anos, a banda parecia esgotada criativamente. Veja, isso não significa não fazer sucesso. O Skank sempre foi vencedor nesse sentido e, à medida que as bandas de sua geração iam encerrando atividades ou se fragmentando, manteve-se como uma espécie de última fronteira de uma musicalidade bem feita, de base rock, com pitadas reggae (que foram se tornando raras com o passar do tempo) e acenos a influências como os parceiros Nando Reis e Lô Borges, os amigos Paralamas do Sucesso (em álbuns como “Nove Luas” ou “Hey Na Na”) e Marisa Monte. Era do primeiro time da música brasileira criticamente aceita com algum viés popular. Ao encerrar suas atividades, o quarteto mineiro se fragmentou e seu guitarrista/vocalista/compositor, Samuel Rosa, é o primeiro a se aventurar num trabalho solo de escopo nacional. Temos então “Rosa”, que documenta o processo criativo de Samuel no início deste ano. E a impressão que temos é de um novo álbum do Skank dos anos 2010. Isso é ruim? Ou não?

 

Bem, Samuel Rosa é um bom compositor e guitarrista interessante. Tem um estilo consolidado ao longo de quase trinta anos de atividade ininterrupta. É um desses artistas que identificamos imediatamente e isso, bem, isso é bom. Na trajetória do Skank, é possível apontar um ponto crucial de mudança estética, situado no ano 2000, quando lançaram “Maquinarama”, um álbum inventivo que não abria mão do elemento pop, mas forçava o público da banda a conhecer novas sonoridades e expandir horizontes. Este movimento continuou com “Cosmotron” (2003), um disco que muitos consideram perfeito mas que, pessoalmente, acho inferior ao anterior. Aqui a banda abraçava um elemento musical que dialogava diretamente com sonoridades beatle e do “Clube da Esquina”, mostrando uma evolução tanto lírica quanto de produção em estúdio em canções como “Dois Rios”, “Formato Mínimo” e “Amores Imperfeitos”.

 

Sendo assim, a musicalidade do grupo ficou equilibrada entre esses elementos decupados a partir de “Maquinarama” e o som original praticado no início dos anos 1990, influenciado por reggae e timbres latinos. Mas, se essa receita parece bacana e à prova de falhas, ela não conseguiu evitar que os últimos álbuns de inéditas do Skank, “Carrossel” (2006), “Estandarte” (2008) e “Velocia” (2014) soassem repetitivos e sem qualquer avançou ou evolução perceptível. Se, por um lado, não dá pra dizer que esses discos são ruins, também não dá pra livrá-los de uma sensação de repetitividade constante, algo que atrapalhou bastante o Skank. Daí a grande expectativa sobre “Rosa”, que já chega com perguntas para responder. Samuel Rosa tem estofo para se livrar dessa sensação de mesmice? Ele quer isso? Suas canções novas têm algum elemento que as distinguem da fornada mais recente – e pouco criativa – do Skank? E os outros integrantes – Haroldo, Lelo e Henrique Portugal -? Fazem falta? Pois bem, temos as respostas para estas e outras questões.

 

Se “Rosa” não tem – mem parece querer ter – o mesmo ímpeto de “Maquinarama” ou mesmo o vigor estético de “Cosmotron”, ele tem, sim, identidade própria. Por mais que haja momentos em que ele se aproxima últimos três discos do Skank, há, sim, alguns acenos a detalhes novos, que podem acrescentar elementos à receita sonora que Samuel vai executar. Por exemplo: uma das melhores gravaçoes do Skank, “Balada do Amor Inabalável”, trazia, há 24 anos, influências e detalhes sonoros que apontavam para a bossa nova e seu conjunto de imagens e detalhes. Essa aproximação é representada por, pelo menos, duas canções de “Rosa”. “Não Tenha Dó” é a menos óbvia, uma vez que mira numa ideia de pop perfeito sessentista com um arranjo que tem cordas e andamento simples, que trazem a impressão de sol e ondas batendo na praia. “Segue o Jogo”, o primeiro single, também tem essa aura, que surge aqui envolta em boas guitarradas e bateria eletrônica que emolduram uma melodia simples e amistosa.

 

E o modelo “rock” que Rosa propõe é bem pensado e coerente com o que ele vinha fazendo com sua banda. “Flores da Rua” é bem posicionada nessa questão, enquanto “Bela Amiga” mistura teclados com pequenos efeitos e engata em outro arranjo solar que evoca a mineiridade simpática que parece suspensa no ar, pronta para ser capturada em canções assim. Tem algo de anos 1970, de Beto Guedes e 14 Bis e, mesmo em “Palma da Mão”, a faixa que encerra “Rosa”, quando Samuel volta ao escaninho “Clube da Esquina”/Lô Borges, ele mostra que ainda tem a manha para compor um épico de bolso que os fãs saudosos do Skank irão amar e dedicar pra namorada/o na viagem que fizerem pro Nordeste.

 

“Rosa” é um bom disco e tem algumas boas canções. Samuel segue como um bom nome da música brasileira, que parece disposto a reafirmar uma imagem positiva, harmoniosa, inventiva e relevante com este trabalho. Repito, é promissor, mas talvez ainda seja preciso uma centelha de experimentação, de sangue nas veias. Por enquanto, está de bom tamanho e vai fazer a delícia de muita gente.

 

 

Ouça primeiro: “Não Tenha Dó”, “Flores da Rua”, “Segue o Jogo”, “Bela Amiga”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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