Novo disco de Arnaldo Antunes se equilibra entre palavra e som
Arnaldo Antunes – Novo Mundo
39′, 12 faixas
(Risco)

Arnaldo Antunes ocupa um espaço único na nossa cena musical mainstream: ele é o poeta “louco”, o sujeito “esquisito”, portador de uma verdade que vem de constatações e truques poéticos relativamente simples. Suas criações encantam aqueles que não são leitores frequentes de versos e poemas e cumprem uma função de explicar conjuntura atual com elegância e esperteza presumidas. Parece que estou criticando a obra do ex-Titãs mas, na verdade, estou exaltando a importância de seu papel. Em alguns momentos, Arnaldo e suas criações podem oferecer ao ouvinte médio de música um contato mais intenso com uma escrita poética e constantemente moderna, significando a impressão de estar ouvindo “algo novo”. Para quem tem um pouco mais de rodagem e conhecimento, seu trabalho é uma espécie de MMC da poética, uma dose mínima necessária de quando em quando, um miojo concreto em forma de letras e canções. E, ora, miojo funciona em momentos peculiares das nossas vidas, certo? Essas analogias permeiam a audição de “Novo Mundo”, trabalho mais recente de Arnaldo, que está nas plataformas digitais.
Este novo álbum tem uma novidade – a produção de Pupillo, que, em termos sonoros, faz certa diferença. Os trabalhos de Arnaldo, a meu ver, sempre se equilibraram entre esse elemento poético, literário, e a capacidade do artista em adaptar suas criações para o idioma da música. Em alguns momentos do passado, ele conseguiu, noutros, naufragou no desequilíbrio, sempre pendendo para o lado das letras e das sonoridades concretas. Com Pupillo na produção e integrando a banda de apoio de “Novo Mundo”, além de Kiko Dinucci, Betão Aguiar e Vitor Araujo, Arnaldo consegue uma sólida argamassa sonora que se coloca a serviço do encurtamento de distâncias entre suas palavras e o ouvido do público. O que sai dos fones de ouvido é uma sonoridade que transita entre híbridos pós-MPB, alguma perfumaria eletrônica sutil, rock, pop tradicionais e algumas pitadas regionalistas aqui e ali, quase sempre com eficiência. Tem até rock, veja você. E tem, até demais, acenos a uma musicalidade caetanesca que, mesmo funcionando na maioria dos casos, soa cansativa depois de algum ponto. Aliás, este álbum tem o mesmo problema de todo e qualquer trabalho já lançado por Arnaldo – é cansativo e impossível de ser ouvido numa só vez.
Arnaldo também recebe convidados ao longo das faixas de “Novo Mundo”. O grande David Byrne fornece relevância e profundidade para duas canções: “Body Corpo”, que é puro Caetano Veloso anos 1990, para o bem e para o mal. E a chatinha “Não Dá Pra Ficar Parado Aí Na Porta”, uma das mais fracas do álbum. Tem Ana Frango Elétrico, soando meio fora de lugar, em “Pra Não Falar Mal”, que está na parcela de “faixas que funcionam” no escopo do álbum. Tem o rapper Vandal, que aparece na boa faixa de abertura, “Novo Mundo”, que pega emprestados versos de uma canção sua, chamada “Mundanoh”. Outra do lado das “que funcionam”, a letra e o clima de escrutínio do presente como um tempo em que deveríamos projetar e pensar no futuro, soa bem aos ouvidos do historiador aqui. E tem a tribalista Marisa Monte na romântica “Sou Só”, que tem tudo a ver com a fórmula de canção do trio formado por eles dois e Carlinhos Brown. Para o bem e para o mal.
Outras duas canções funcionam: a semi-reggae “É Primeiro de Janeiro” e a roqueirinha “Tire O Seu Passado da Frente”, outra faixa em que Arnaldo investiga a inversão dos tempos na vida das pessoas, aqui, no caso, ele desfila traumas e acontecimentos passados como causas de comportamentos lamentáveis no presente. Nenhuma canção de “Novo Mundo”, no entanto, é melhor do que “Viu, Mãe?”, uma adorável criação de Arnaldo e Erasmo Carlos. A letra faz um inventário de cuidados de mãe que se perpetuam na fase adulta e que permanecem mesmo depois da mãe já não estar mais aqui. Num arranjo meio funk clássico, que lembra um pouco “Todos Estão Surdos”, de Roberto Carlos, Arnaldo vai desfilando essas situações e chega a momentos ótimos como “Viu, mãe: quanta coisa bonita cê me deu//Pode ficar tranquila que eu estou bem//Bem alimentado, bem agasalhado e com saúde e bênção”. Certamente uma das melhores canções que Arnaldo já gravou.
“Novo Mundo” é disco bacana para conhecer a verve antuniana e vai confortar os admiradores de Arnaldo. Tem, como já dissemos, aquele problema: é difícil ouvir tudo de uma só vez, mas funciona na maioria do tempo.
Ouça primeiro: “Viu, Mãe”, “Sou Só”, “Tire O Seu Passado da Frente”, “Pra Não Falar Mal”, “É Primeiro de Janeiro”, “Body Corpo”, “Novo Mundo”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.